O QUE HÁ DE IMPORTANTE PARA SER VISTO QUE JÁ NÃO VIMOS? Sobre Dançando no Escuro

Mais uma vez a exibi-lo, este filme que já me acompanha há tantos anos, que esteve na primeira mostra que organizei desde que tornei ao Cariri com a incumbência de tornar-me, a mim, um passador de filmes e que quando torno a ele é tanto para homenagear o seu criador quanto a celebrar o meu ofício de mostrar aos olhos alheios e torná-los sempre menos alheios ao imprescindível.

Dançando no Escuro fala tanto do que vemos em excesso, de imagens já saturadas e banalizadas como, ao mesmo tempo, conta-nos a história de uma mulher que vê cada vez menos do mundo real e palpável e enxerga mais e mais o impalpável e indizível e luta até o fim pelo direito das novas gerações poderem ver as coisas ao redor e tirarem, independentes, as suas próprias conclusões.

Muita gente já viu este filme, através de mim ou às suas próprias custas e por única e exclusiva vontade alugou-o numa locadora ou baixou-o direto da internet ou no tempo em que foi lançado e era uma novidade, viu-o numa sala de cinema. Quem o vir pela primeira vez nesta MOSTRA 21 de número 4, saiba que irá se deparar com um musical, pois a cantora Björk estrela e atriz principal do filme não foi posta ali à toa, só para provar que sabe interpretar uma personagem como a de Selma sendo-a inteiramente e intensamente. Ela canta. E ela canta como se consagrou em todos os seus álbuns, com a mesmíssima peculiaridade da voz, do ritmo e dos sons que ela usa para fazer música. Reforço que é um musical porque este gênero tem fãs e detratores, gente que o odeia com todas as forças do seu coração porque acha ridículo o fato de acompanharem uma história onde de repente interrompe-se a trama para que seus personagens possam cantar e dançar. Este escapismo ou irrealidade é muito mal visto por alguns tipos. Em certa altura de Dançando no Escuro há uma conversa entre Selma, uma imigrante tcheca fã dos musicais produzidos pela indústria hollywoodiana e outro personagem exatamente sobre isso: ela gosta e o outro não gosta de musicais. O filme segue independente disso. A mim, as músicas são essenciais porque ela as extrai do seu cotidiano e sempre para escapulir-se dele, para evadir-se e entregar-se ao sonho e ao mundo das infindáveis possibilidades. Suas canções, adianto, vão ficando cada vez mais realistas e espelho do que ela esteja vivendo, mas só pelo fato de continuarem a ser música serão sempre uma melhor verdade ou uma verdade mais suportável de ser levada. Se a música entrará na realidade e fará a diferença em meio a este mundo, bem deixo isto para quem o venha assisti-lo tirar suas próprias conclusões.

Estive entre as três centenas de pessoas que o viram pela primeira vez no Brasil. A primeira exibição sua foi em Recife, na Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) trazida pelo crítico de cinema Kléber Mendonça Filho. Foi uma experiência devastadora e inesquecível. Cheguei cedo para assegurar meu lugar na sessão da noite e nunca me esquecerei do que vi após o filme ter chegado ao fim. Foi o maior ato de comoção coletiva do qual participei frente a um objeto artístico. Quando criança fui a uma missa pela morte do Presidente Tancredo Neves e naquela ocasião havia muito mais pessoas chorando ao meu redor. Digo isso das lágrimas, mas conheço gente que odeia o filme e não chora sequer uma gota. Pelo contrário, até riem ou se enfadam. Cada um sinta como quiser e lhe parecer conveniente. Eu, de minha parte, convido os espectadores a esquecerem-se de si como Björk esqueceu-se dela e entrarem na vida da imigrante, estrangeira, mãe, amiga, mulher, sonhadora, leal e corajosa Selma, entre tantos outros adjetivos que lhe darão, e se abram sem medo ao sentimento que lhe arrebente no peito, porque a sala é escura para que cada um possa, sem receios, entregar-se ao delírio.

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